A
MEMÓRIA FERROVIÁRIA TAMBÉM TEM FUTURO
I. O PASSADO,
O PRESENTE, QUE FUTURO?
a) Nos anos 60 do século XX, foi destruída por barcos ao serviço da Siderurgia
de António Champalimaud, a ponte ferroviária Barreiro/Seixal que nunca foi
reposta, com a interrupção intempestiva do ramal respectivo.
b) Apesar de terem sido retirados do Barreiro muitos materiais de valor
museológico inestimável, nunca foi criado o Núcleo Museológico Ferroviário, nem
mesmo quando da criação da Fundação do Museu Nacional Ferroviário, no
Entroncamento.
c) Na recente electrificação da via foi abandonada a estação
ferro-fluvial do Bareiro-Mar (Miguel Pais em 1884), gastando-se centenas de milhares
de euros para ser construído um apeadeiro a 50 metros! A velha estação, uma
peça patrimonial inestimável, ex-líbris do Barreiro ferroviário, está em rápida
degradação, tendo sido retiradas as chapas da cobertura por alegada razão de
segurança.
d) As Oficinas Ferroviárias “excepcionais” (1859), “catedral do diesel”,
estão a ser gradualmente abandonadas, perdendo-se centenas de postos de
trabalho. Estão em risco de degradação e de encerramento, até porque o acesso
não foi electrificado.
e) Material circulante único e histórico (máquinas, carruagens e
outros), está a ser abatido, vendido para sucata ou para outros fins não
patrimoniais.
f) O Bairro Ferroviário do “Palácio do Coimbra”, foi colocado à venda
pela CP para ser urbanizado, após ter exercido o “direito capeão” sobre
terrenos de servidão ferroviária. A Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses
recuou na intenção por não haver compradores, mas estão a ser permitidos abusos
por novos adquirentes das velhas casas, alvo de descaracterização.
g) O “Palácio do Coimbra”, a última residência senhorial que nos resta
do século XIX, ligada à história da construção da Linha do Sul e Sueste pelos
“Brasileiros”, foi votada ao abandono, mau grado a recente operação de
maquilhagem da fachada, porque o telhado está a cair!
h) A Avenida de Sapadores dos Caminhos de Ferro, melhor seria Avenida
dos Ferroviários do Sul e Sueste, com o seu histórico Cais da Cortiça, sendo
uma varanda privilegiada para o “esplendor” de Alburrica, está em ruína
avançada e progressiva.
i) A Casa dos Ferroviários, propriedade dos trabalhadores ferroviários,
onde funcionou sucessivamente o Sindicato Livre, desde 1922, o Sindicato
Corporativo, desde 1935 e o Sindicato de Abril a partir de 1974, foi destruída
e completamente descaracterizada numa nova construção modernista, com uma
fachada incompreensível!
II. UMA ESTRATÉGIA PARA A PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÓNIO
Mas então pode-se preservar todo o vastíssimo património ferroviário do
Barreiro?
Claro que não! Não é disso que se trata!
O país tem recursos limitados, as empresas ligadas às ferrovias tem
investimentos prioritários, a Autarquia tem um vasto leque de preocupações e
recursos escassos.
Para não condenar a memória patrimonial à terrível degradação
“alzheimeriana”, é necessário estabelecer uma estratégia que defina princípios
orientadores e linhas de actuação claras, inequívocas e etápicas:
A – A melhor forma de não perder a memória é mantê-la viva!
A1) Manter e reforçar o funcionamento
das Oficinas Ferroviárias, electrificando o troço de acesso.
A2) Manter os comboios a funcionar dentro
da cidade, reforçando as suas potencialidades para o futuro, quando o petróleo
acabar!
B – Uma boa forma de preservar o património construído, mantendo-o longe
de ambições imediatistas e/ou da gula de interesses económicos especulativos, é
conseguir a sua classificação patrimonial, seja de interesse local, regional ou
nacional.
Aguardamos há três anos a
classificação pendente na Direcção Geral do Património, de :
B1) Estação Ferro-Fluvial do Barreiro-Mar,
primeira estação multimodal no país.
B2) Oficinas Ferroviárias, que foram a
primeira e mais antiga estação no seu estilo em Portugal (1861).
B3) Rotunda e Cocheira das
Máquinas.
B4) Bairro Ferroviário.
B5) Material Circulante primordial
(pedido adicionado em 2016).
C – É fundamental clarificar os conceitos de Centro Histórico, Núcleo
Museológico e Espaço ou Sítio Museológico, que não são a mesma coisa, na
situação concreta da vastíssima herança patrimonial ferroviária do Barreiro.
A mesma questão se coloca aliás
para o património operário- industrial químico!
A riqueza do património
arqueológico e histórico (ferroviário, químico-industrial ou moageiro) não pode
ser confinado a um espaço/armazém de memórias, como acontece com o
incorrectamente chamado “Museu Industrial” da Baía do Tejo (ex-Quimiparque).
No caso vertente o objecto final
não pode ser meter umas quantas máquinas e carruagens num espaço fechado para
contemplação saudosista!
D – Por isso há que definir uma
estratégia de Centro Histórico Ferroviário, com vários pólos de referência,
valências e/ou espaços ou sítios museológicos, interligados por um Programa de
Acção Integrado, Etápico e Priorizado.
Na primeira linha estão as já referidas:
Estação, Oficinas, Rotunda, Bairro e Material Circulante.
Numa segunda linha de prioridades
estarão:
- O Palácio do Coimbra.
- Avenida dos Caminhos de Ferro e
Cais da Cortiça.
- Doca Seca e Cais de Apoio à
Pesca.
-
Oficinas da Manutenção e das Carruagens.
- Fachada do Sindicato/Casa dos
Ferroviários.
E – A experiência de participação cívica de organizações associativas,
no equacionamento, na proposta/sugestão e na participação prática da
preservação do património, deve ser acarinhada e incentivada. As acções em
curso devem ser apoiadas:
E1) Espaço L, projecto de
reabilitação da antiga Estação do Lavradio, pelo MCSPFB e ABPMF, com protocolo
com a REFER.
E2) Antiga Escola Reis (de Conde
Ferreira) (1870) pela RUMO e associadas, com protocolo com a CMB.
E3) Antigas instalações dos
Bombeiros do Sul Sueste (1883), animação/ recuperação pela ADAO, com protocolo
com a CP.
E4) Projecto conjunto CMB/
Associações – APAI, APAC. ABPMF e MCSPFB, para a organização/animação de um
espaço museológico, de preferência nas ex-Oficinas de Manutenção.
III) UM PROJECTO COM PARTICIPAÇÃO CÍVICA: A
MEMÓRIA TEM FUTURO
No processo de definição de
estratégias para o Património, devem ser ouvidos todos os que se interessam e
podem dar contributos, mas também a população em geral e em particular aqueles
que trabalharam (e ainda trabalham!...) e deram o seu esforço e inteligência
para que os comboios cumprissem o seu desígnio que de resto não está esgotado.
A ABPMF e o MCSPFB, irão participar
no próximo Fórum das ONG do Património – 2017, a realizar em 10/4/2017, na
Fundação Calouste Gulbenkian, com uma intervenção sobre : “A Preservação do
Património Histórico Industrial e Ferroviário no Barreiro”.
Afirma-se nos objectivos
programáticos do Fórum : “Identificar os principais problemas e desafios que se
colocam às ONG do Património, de modo a polarizá-las em torno de objectivos
comuns, bem definidos. Detetar formas de juntar esforços para uma mais eficaz
defesa do PCC e de referenciar com esta finalidade, soluções para a
rentabilização dos investimentos, para a sua recuperação e manutenção,
incluindo o acesso a fundos comunitários”.
Com a nossa participação, da APAI – Associação
Portuguesa da Arqueologia Industrial, APAC – Associação do Amigos dos Caminhos
de Ferro, estão a ser promovidas pela Câmara Municipal do Barreiro, reuniões
com vista à constituição de um Núcleo Museológico Ferroviário no Barreiro, com
o apoio do Museu Nacional Ferroviário.
O Património Ferroviário do
Barreiro, muito mais vasto e rico que tudo o que está musealizado até hoje,
terá que ser equacionado estrategicamente como um grande Centro Histórico, com
várias valências interligadas, recuperadas e/ou reabilitadas as que estão
(quase…) abandonadas, mantendo vivas e a funcionar as que mexem, nomeadamente a
Linha do Sado que começa e acaba no Barreiro.
Colocar exemplares do material
circulante primordial (que não deve sair mais do Barreiro!) num espaço
museológico confinado para ser recuperado, visitável e circulável, é uma
pequena etapa do imenso trabalho necessário para o futuro sustentável de
preservação da memória ferroviária de 166 anos no Barreiro.
A nossa participação será sempre de
disponibilidade activa e voluntária, defendendo os princípios enunciados,
porque não queremos meter os comboios no museu nem acabar com eles no Barreiro.
Defender e preservar a memória não é
saudosismo! Tal será quando se pretende arrumar a memória entre quatro paredes,
para a contemplação da grandiloquência dos contributos messiânicos.
A memória não só tem futuro como será
um contributo importante para a perspectiva de dinamizar a curto/médio prazo o
turismo vocacionado, fautor de sustentação económica e potenciador da
classificação do Barreiro de Património Nacional de Arqueologia Industrial.
Barreiro, 28/3/2017
Associação Barreiro
– Património Memória e Futuro
Movimento Cívico de Salvaguarda do Património
Ferroviário do Barreiro
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